sexta-feira, 26 de abril de 2013

Semana 1

EU: Olá. Meu nome é Ana e eu tenho 35 anos*.
Eles: Boa noite. Bem-vinda, Ana.

* Nomes e idades foram alterados para preservar a identidade dos pacientes.

Eu: Nunca achei que teria coragem de sair de casa. Colo de mãe, comida no prato (mesmo eu tendo que cozinhar vez ou outra), ajuda com o filho. Mas sai.

Eles: Um passo de cada vez, Ana.

Eu: Essa semana chorei muito. De saudade.
Médico: De sua família?
Eu: Não, de mim mesma. Esqueci quem eu sou. Como eu sou. Perdi o rumo. Me disseram pra olhar no espelho que eu encontraria o rumo de novo.
Médico: E você tentou? Se olhou no espelho?
Eu: Ah, olhei, sim. Na mesma hora. Mas não gostei do que vi. Não era o rumo que eu queria pra minha vida. Não agora e muito menos assim.

Eles: Um passo de cada vez, Ana.

Médico: O que mais te incomoda nesse momento?
Eu: O fato de eu não ser eu mesma, sabe? Não posso ficar de cara feia que já vem gente querer saber o que eu tenho. Porra, não tenho nada. Esse é o problema. Eu não falo em casa. Na minha casa. Eu deito no sofá e alieno. E agora eu não posso. Tenho que estar "disponível" o tempo todo. E eu preciso ficar em silêncio as vezes. Quero ver a novela e não ter que ficar batendo papo.
Tá difícil.

Eles: Um passo de cada vez, Ana.

Médico: E é só isso que te incomoda?

Eu: Como só? Você acha mesmo que é só? Então, tá.

Médico: Isso te ofendeu?

Eu: Não. Claro que não. Ma ainda acho que não é SÓ...

Médico: Então me diga... o que mais te incomoda?

Eu: Me incomoda o fato de estar vivendo uma história que eu não planejei. Que eu não queria. Me mudar pra casa de uma pessoa que ok, eu gosto, mas que eu não sei se gosta de mim. Que eu não sei porque me ofereceu abrigo. Se sentiu obrigado? Ah, não. Muito obrigado então....

Silêncio.
...
...
...
...
...
...

Eu: Não sei o que eu estou fazendo lá. Não me reconheço nesse formato mãe-dona de casa -namorada que mora junto. Sem contar que eu sou promovida toda semana. Uma hora é namorada. Outra hora é esposa. Outra hora é nora. Não, não. Eu sou a Ana. Ponto. Pelo menos até a última vez que eu chequei. Eu queria sair de casa mas pra viver uma vida que eu tenha escolhida e não que me tenha sido imposta. Eu não tenho muitas expectativas sobre amor, relacionamentos, não. Deixei de ter há anos atrás. Por causa da mesma pessoa que hoje me "abriga e atura".

Médico: Por que abriga e atura? Entre aspas?

Eu: Porque sim. Porque ele não me disse - E ai, quer morar comigo? Juntar os trapos? Tentar?
Ele só disse - arruma suas coisas e vem. Sei lá se eu estava esperando romance dessa história. Nem eu sei o que eu quero. Ou queria. Ou SE quero alguma coisa.

Médico: Mas você não está gostando da experiência?

Eu: A verdade? Eu não estou gostando de mim dentro da experiência. Porque eu não estou à vontade. Não estou no meu normal. Acabou o glamour. Não tem mais cara maquiada de manhã cedo. Não tem mais surpresa quando encontra. Agora só tem - que horas você vai chegar? A máquina de lavar já parou? Precisa de alguma coisa do mercado?

Médico: Mas a vida a dois é assim mesmo...

Eu: Vida a dois? Que dois? Ninguém me disse que eu casei.

Médico: Mas se vocês moram juntos...

Eu: Não, eu moro com ele. Só isso. Tá bem claro pra mim.

Médico: Estou vendo um drama aí...

Eu: Bom, seu trabalho é ver dramas pra me manter aqui. Ou esto errada?

Médico: Está. Meu trabalho é fazer você enxergar o drama.

Eu: Bom, sinto em lhe informar, mas não está funcionando... Eu ainda não entendo a situação. Não sei o que se passa dentro daquela casa e muito menos na cabeça dele....

Médico: om, ficamos por aqui hoje. amanhã às 15h00, ok?

Eu: Tem outro jeito?